Treinamento Vesical Isolado ou em Combinação com Outras Terapias para Melhorar os Sintomas da Bexiga Hiperativa: Uma Revisão Sistemática e Meta-Análise de Ensaios Controlados Randomizados

Publicado no Brazilian Journal Of Physical Therapy  em 29 de Julho de 2024.

Introdução

A bexiga hiperativa (BH) é caracterizada por sintomas de urgência urinária com ou sem incontinência urinária de urgência, mas geralmente acompanhada por frequência e noctúria na ausência de infecções do trato urinário ou outras doenças detectáveis. 1-3 Os sintomas de BH são associados a custos significativos e afetam adversamente a qualidade de vida (QV) dos indivíduos. 1,4-8 Eles podem afetar os relacionamentos interpessoais, o sono e a saúde mental e física dos indivíduos afetados. 1,4-8

 

Estimativas da prevalência de BH na população geral são altamente variáveis (2%-53%). 4-17 A literatura indica uma prevalência de aproximadamente 35% em homens e 41% em mulheres. 4-17 Essas taxas aumentam com a idade em ambos os sexos. 4-17 A prevalência na população feminina é maior, 9-11 possivelmente devido a certos fenótipos, como os identificados por Peyronnet et al. 20 Isso destaca a importância de individualizar os tratamentos.

 

A American Urological Association e a Society of Urodynamics, Female Pelvic Medicine, and Urogenital Reconstruction (AUA/SUFU) recomendam terapia comportamental, como o treinamento vesical (TV), como tratamento de primeira linha. 21 O tratamento farmacológico (TF) é a segunda linha recomendada, enquanto a terceira linha compreende várias modalidades de estimulação elétrica periférica, como estimulação elétrica intravaginal (EEIV), estimulação nervosa tibial percutânea (ENTP), estimulação nervosa tibial transcutânea (ENTTC), neuromodulação sacral e injeção intradérmica de toxina botulínica A. 21

 

A terapia comportamental compreende um grupo de estratégias terapêuticas projetadas para melhorar os sintomas de BH modificando os hábitos diários, o estilo de vida e o ambiente do paciente. 21 Os programas de terapia comportamental aplicam regimes de micção programada, treinamento muscular do assoalho pélvico (TMAP) e mudanças no estilo de vida. 21,22 Regimes de micção programada são usados há décadas para gerenciar os sintomas de BH. Esses protocolos foram divididos em TV, micção programada, treinamento de hábitos e micção estimulada. 21,22 A diferença entre eles reside em como a micção programada é modificada e se o envolvimento do paciente é ativo ou passivo. 21,22

 

O TV utiliza várias abordagens para ajudar os indivíduos a atrasar a micção. A principal abordagem são as atividades que exigem foco mental, como técnicas de relaxamento e distração. 21,22 Essas atividades são geralmente acompanhadas por contrações repetitivas dos músculos do assoalho pélvico (MAP), o que estimula um reflexo inibitório do detrusor. 21-24 Ao atrasar a micção, as contrações voluntárias do MAP ativam a estimulação aferente através do nervo pudendo para o centro da micção sacral, o que, por sua vez, desencadeia respostas inibitórias no detrusor através do nervo pélvico (o reflexo inibitório períneo detrusor), resultando em intervalos de micção atrasados. 21,25

 

As vantagens do TV incluem seu baixo custo, baixa complexidade e menor risco de eventos adversos (EA). A última revisão sistemática sobre a eficácia do TV para a incontinência urinária (IU), realizada em 2004, recomendou investigações adicionais porque os protocolos eram muito heterogêneos. 26 O objetivo da presente revisão foi investigar se o TV – seja isoladamente ou em combinação com outras terapias – pode promover a melhora dos sintomas de BH (resultados primários), QV e EA relatados (resultados secundários).

 

Métodos

As buscas foram realizadas nos seguintes bancos de dados eletrônicos: PubMed Central/MEDLINE, PEDro, SciELO, LILACS, Central Cochrane Library, Web of Science, EMBASE e CINAHL. Não houve restrições em relação ao ano de publicação ou idioma.

Dois autores revisaram independentemente os títulos, resumos e textos completos de todos os estudos identificados. Desacordos entre os revisores foram resolvidos por consenso ou mediação por um terceiro autor.

 

Seleção de estudos

Esta revisão sistemática foi registrada prospectivamente no International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO; CRD:42022301522), preparada de acordo com o Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA) e conduzida de acordo com a metodologia Cochrane para ensaios clínicos randomizados (ECRs). 27,28

 

Critérios de elegibilidade

Durante a busca, não foram usados filtros de idioma ou data. Após a busca, incluímos ECRs escritos em inglês em que o TV foi comparado com várias terapias, como TF, EEIV, TMAP, CG, ENTP, ENTTC, terapia comportamental e biofeedback, em termos de sua capacidade de reduzir os sintomas de BH.

As medidas de resultado para esta revisão foram os sintomas de BH, QV e/ou EA relatados. Os resultados primários (urgência urinária e frequência, noctúria e/ou incontinência urinária de urgência) foram avaliados por meio de ferramentas como diários vesicais e/ou testes de absorção de 24 horas. A QV foi avaliada por meio de ferramentas que avaliam a QV. As ferramentas de EA foram relatadas por ferramenta ou pelo estudo.

A população de interesse era mulheres e homens com mais de 18 anos. Os estudos envolvendo transtornos neurológicos e psiquiátricos, períodos peri e pós-operatórios, mulheres grávidas, mulheres no pós-parto, tratamentos anteriores para OAB e pessoas que viviam em comunidades foram excluídos. Apenas ECRs totalmente publicados foram incluídos na revisão.

 

Extração e gerenciamento de dados

As buscas foram realizadas independentemente por dois autores de dezembro de 2021 a julho de 2022. Os resultados das buscas de bancos de dados foram importados para o programa de gerenciamento de referências Mendeley Reference Management 2.67.0 e finalizados usando o software EndNote X9. 29,30 Em cada processo de busca, dois revisores avaliaram os estudos coletados nos bancos de dados em ordem de título, resumo e texto completo. Os ECRs elegíveis para inclusão na revisão foram selecionados para leitura completa. Os resultados da triagem foram salvos, documentados e apresentados em um diagrama de fluxo, conforme recomendado pelo PRISMA Statement. 27

Após a seleção dos estudos, AKLR e DVP determinaram a seleção e inclusão das medidas de resultado na revisão. Os seguintes dados foram extraídos: título, autor, ano, país, número de participantes, sexos, resultados primários e secundários, objetivos, intervenções em cada grupo, detalhes do programa, duração das sessões, frequência e duração das intervenções e resultados nas avaliações de linha de base e acompanhamento.

A intervenção de interesse primário foi o efeito do TV isoladamente ou em combinação com outros tratamentos sobre os sintomas de BH. Os resultados nas avaliações de linha de base, na primeira avaliação após o tratamento e após a segunda avaliação após o tratamento, quando possível, foram submetidos a comparação e meta-análise. As comparações foram realizadas entre ECRs equivalentes.

A extração dessas medidas de resultado e outras características dos ECRs foi realizada por MPV e um terceiro revisor foi consultado. Quando dados discrepantes foram notados, um email foi enviado para os autores dos estudos em análise.

Análise e síntese de dados: Para ter acesso a essa seção e entender a fundo os resultados da análise e síntese de dados, realize o download gratuito do artigo completo, realizado por AK.Rocha, S. Monteirob, I. Campos, M.Volpato, D.Verleun, L.Valim, C.Riccetto, S.Botelho.

Discussão

O TV tem sido usado por décadas na prática clínica para tratar os sintomas de BH. 22,23 Descobrimos que o TV+EEIV teve um impacto mais significativo na noctúria, IU e QV do que o TV isolado. Além disso, determinamos que o TF foi mais eficaz na melhora da IU do que o TV isolado. No entanto, de acordo com a abordagem GRADE, os ECRs avaliados basearam-se em evidências de baixa qualidade.

 

A International Continence Society e a AUA/SUFU endossam o TV como uma abordagem primária para tratar os sintomas de BH. 1,2,21 Existem teorias de que o TV pode ser benéfico para os sintomas de BH. 1,2,21-24,26,52 Essas vantagens incluem a inibição aprimorada das contrações do detrusor na área cortical durante a fase de enchimento, oclusão uretral aprimorada durante o enchimento da bexiga causada por facilitação cortical e modulação central dos impulsos sensoriais aferentes. 21-24,26,52 Portanto, os indivíduos que se submetem à terapia comportamental se tornam mais conscientes de seu estado de saúde e entendem melhor os fatores que podem levar aos sintomas de BH. 21-23,26.

 

De acordo com Wallace et al., 26 o TV pode ser útil no tratamento dos sintomas de BH, mas não havia evidências suficientes para determinar se o TV é útil em combinação com outra terapia. Na presente revisão, o TV+EEIV resultou em melhora dos sintomas de BH no acompanhamento de curto prazo. Os participantes nos grupos TV+EEIV podem ter aumentado a conscientização ou obtido experiência adicional com as funções do MAP. 22,53 Outro fator a considerar ao usar o TV+EEIV é o tempo adicional gasto com profissionais de saúde. 47,48

 

A literatura indica que a EE é eficaz e segura para gerenciar os sintomas de BH e melhorar a QV a longo prazo. 17,52,53,54 Essa estimulação pode ativar o reflexo inibitório períneo detrusor através de eletrodos vaginais. Essa estimulação ativa as fibras motoras eferentes do nervo pudendo, causando contrações do MAP que ajudam a inibir as contrações do detrusor. Esta revisão observou e analisou o uso do protocolo EEIV, mas não foi possível comparar o TV com outras modalidades de EE periféricas, ao contrário do estudo de Zomkowski et al. 47,48,54.

 

Embora tenha havido um aumento recente no número de ECRs relevantes, várias limitações foram identificadas nos estudos. Essas incluem o uso de vários instrumentos, diferenças nos perfis da amostra, falta de informações de acompanhamento e elegibilidade limitada para meta-análise devido à falta de informações sobre métodos estatísticos (intenção de tratar). Além disso, uma variedade de protocolos e diferenças na gravidade dos sintomas e nas características da amostra foram observadas. Dois ECRs tiveram amostras e acompanhamentos comparáveis. Ambos os grupos foram incluídos para permitir uma comparação do acompanhamento em momentos diferentes. Uma meta-análise realizada por Kafri et al. 45 comparou outro ECR durante o período de acompanhamento de médio prazo. 44-46 Além disso, é possível que alguns estudos que atenderam aos critérios de elegibilidade da revisão não tenham sido incluídos porque não foram publicados nos periódicos incluídos nas bases de dados pesquisadas.

 

Uma busca abrangente em vários bancos de dados foi realizada para maximizar a inclusão de ECRs e o inglês foi escolhido como critério de elegibilidade. No entanto, alguns ECRs em andamento ou não publicados podem não ter sido incluídos. Além disso, é difícil entender o impacto do TV nos sintomas de BH devido a suas características subjetivas e complexas.

 

O TV resultou em menos EA do que outros tratamentos. Isso indica que a combinação do TV com outras terapias pode ser uma solução mais segura e menos dispendiosa para tratar os sintomas de BH. 2,21,22,26 No entanto, as descobertas da revisão são limitadas aos ECRs analisados, e pesquisas adicionais são necessárias para confirmar os resultados e comparar o perfil de segurança do TV com o de outras intervenções.

 

Embora as análises indiquem que o TV+EEIV é mais eficaz para os sintomas de BH e QV, e que o TF é mais eficaz para a IU do que o TV isolado, os ECRs não fornecem evidências suficientes para apoiar a recomendação dessa terapia na prática clínica.

 

Conclusão

Com base nos estudos revisados, em comparação com o TV isolado, o TV+EEIV resulta em melhorias na noctúria, IU e QV em indivíduos com sintomas de BH, com benefícios de curto prazo. Existem poucos ECRs sobre o efeito do TV na BH, especialmente na urgência urinária, tornando seu efeito inconclusivo.

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